Uma divisão de 14 séculos no Islão renasceu e está a ser usada para
fundamentar e intensificar uma autêntica guerra pelo poder no Médio
Oriente. A tensão entre os dois maiores ramos do Islão, o sunismo e o
xiismo, está a ser usada pelas duas maiores potências regionais para
promover interesses nacionais e geoestratégicos, aumentando a tensão e
a violência entre duas formas de viver o islamismo que nunca estiveram
de acordo.
O Irão e a Arábia Saudita voltaram a pegar-se, agora devido à execução
de um clérigo xiita pelos sauditas e pelo consequente ataque à
embaixada saudita no Irão. A relação historicamente conflituosa entre
as duas maiores potências da região está a ser potenciada pela divisão
religiosa profunda entre estes dois regimes, que ambos estão a usar a
seu favor para recrutar aliados e ganhar poder na região. A revolução
islâmica no Irão (1979) fez renascer essas tensões. A segunda Guerra
do Golfo (2003) e a Primavera Árabe (2011) marcaram o uso cada vez
mais estratégico dessas mesmas tensões para defender os interesses
políticos e estratégicos.
A luta pelo poder tornou-se, assim, cada vez mais um jogo do gato e do
rato, onde ambos querem ser o gato. O apoio da Arábia Saudita a um
grupo sunita num país leva o Irão quase automaticamente a apoiar a sua
contraparte xiita, e vice-versa. O resultado tem sido um vasto leque
de guerras por procuração na região e um tom de confrontação cada vez
mais elevado.
O conflito religioso pode não ser a razão pela qual o Médio Oriente
está num conflito sem precedentes, mas é fundamental para o entender e
para uma eventual solução. Sem uma redução da tensão entre os dois
maiores ramos do Islão, não haverá paz na região.
A origem do conflito
Na sua origem, o conflito entre sunitas e xiitas é acima de tudo um
conflito pela sucessão do profeta. Maomé uniu o mundo árabe, antes um
conjunto de tribos beduínas que professavam a vários deuses, mas na
altura da sua morte, em 632, não deixou um sucessor. Maomé não tinha
um filho homem e não deixou indicações de como deveria ser feita a
passagem de testemunho.
O resultado foi o reacender de antigas inimizades entre a comunidade
muçulmana de Medina, na altura dividida em quatro grupos. Sem
indicações, a sucessão recaiu sobre Abu Bakr, que se tornou califa, um
dos primeiros convertidos ao Islão, e dos companheiros mais próximos
do profeta. A escolha não foi bem recebida, especialmente entre os
partidários do primo e genro de Maomé (era casado com a sua filha
Fatima), Ali Ibn Abi Talib.
As três escolas da teologia xiita (mais os alauitas)
Na teologia sunita existem três ramos principais, com a principal a
deter grande parte do relevo:
Os xiitas dos doze imãs: é o maior e mais conhecido grupo dentro do
xiismo. Os seus seguidores seguem a linha dos doze imãs sucessivos,
acreditando que o último imã ainda estaria vivo apesar de escondido
desde 874, e que o último dos imãs, Muhammad al-Mahdi, “O Guia”, ainda
é capaz de enviar mensagens ocultas aos fieis escolhidos. Alguns dos
xiitas iranianos acreditam que o ayatollah Khomeini, o líder da
revolução islâmica no Irão em 1979, teria recebido inspiração do
último imã. Os doze imãs são considerados sucessores diretos corporais
e espirituais do profeta Maomé.
Zaiditas: um ramo que deriva dos seguidores dos imãs, que partiu a
linha no quinto imã. A maioria dos xiitas acredita que o quinto imã
legítimo era Muhammad al-Baquir, filho de Ali e neto de Hussein, mas a
minoria que viria a ser zaidista, reconheceu antes o seu irmão, Zayd
bin Ali. Esta seita está praticamente limitada a uma minoria no Iémen
e acredita que o verdadeiro xiita é qualquer muçulmano que siga as
regras dos descendentes de Ali e Fatima (filha de Maomé), seja culto,
piedoso e ativo politicamente.
Os xiitas dos sete imãs (ismaelitas): estão concentrados especialmente
na diáspora, e acreditam que o último imã foi Ismael, o sétimo imã,
que se terá ocultado no século XVIII. A teologia dos ismaelitas
centra-se numa teoria cíclica histórica em torno do número 7 e
consideram necessário distinguir entre os conteúdos eternamente
válidos do Corão e os que se referem a um horizonte temporal
condicionado. Para os ismaelitas, só os conteúdos eternamente válidos
são obrigatórios.
O califado de Abu Bakr foi curto, de apenas dois anos, e tumultuoso.
Abu Bakr teve nas suas mãos a difícil tarefa de recuperar as tribos
que tinham abandonado o Islão com a morte do profeta e de acalmar os
que entendiam que não lhe deviam lealdade. Com a unificação da Arábia
concluída, seguiram-se mais dois califados, ambos de curta duração, na
mesma linha, mas orientados para a expansão. Umar ibn al-Khattab foi
escolhido por Abu Bakr para o suceder e durante o seu califado o Islão
conquistou Damasco, Jerusalém e Alexandria, avançando ainda para a
Mesopotâmia e para a Pérsia.
Umar ibn al-Khattab foi morto por um cristão persa em 644, dez anos
após a assumir os destinos do califado, sucedendo-lhe Utman ibn Affan,
o primeiro dos califas que não tinha o apoio de Ali. Utman, genro do
profeta, nomeou o seu primo para governador da Síria, uma decisão
vista como nepotismo. O seu tio, pai do primo que nomeou para governar
a Síria, foi um dos mais ferozes inimigos de Maomé.
Utman ibn Affan foi assassinado e Ali chegou finalmente ao poder,
tornando-se o quarto califa, contra os que achavam que o primo de
Utman, Muawiyah, deveria assumir o lugar. A transição não foi pacífica
e deu origem a uma guerra civil. Ali e Muawiyah enfrentaram-se na
batalha de Siffin que, sem um claro vencedor, acabou por ser decidida
por uma espécie de arbitragem, proposta por Muawiyah. Uma parte dos
apoiantes de Ali abandonou-o por não aceitar a decisão de aceitar a
arbitragem, dando origem a uma primeira grande cisão. Os que ficaram,
fiéis a Ali e às pretensões de liderar o Islão, deram origem aos
xiitas.
Ali foi assassinado pouco depois, em 661, e Muawiyah aproveitou para
subir ao poder, dando oriente à primeira dinastia sunita Omíada. Com a
morte de Ali, os seus seguidores revoltaram-se contra a dinastia
Omíada, argumentando que os legítimos sucessores e líderes do Islão
eram os filhos de Ali e Fatima, no caso, Husayn.
Husayn foi morto depois de liderar a revolta contra o califado no que
seria hoje o Iraque. Os omíadas, e mais tarde os abbasids, que lhes
sucederam, iniciaram uma vaga de repressão contra os sucessores de
Husayn, conhecidos como imãs e vistos como uma ameaça política contra
os califas sunitas. A repressão levou a que o sexto imã, Já’far
al-Sadiq, pedisse aos seus seguidores que se escondessem (e à fé que
professavam) para garantir a sobrevivência dessa fé. O califado sunita
passou então a ser hereditário.
As quatro escolas da teologia sunita
Na teologia sunita há quatro escolas principais, que assumiram os seus
fundadores, e alguns dos movimentos principais estão dentro destas
escolas.
Hanbalita (que inclui os movimentos waabistas e os salafistas): É a
escola seguida pelos sunitas da Arábia Saudita (waabistas), Qatar e
Emirados Árabes Unidas. É a mais fundamentalista das quatro, fundada
por Ahmad ibn Hanbal, um jurista que defendia que a lei islâmica, a
Sharia, se deve basear fundamentalmente no Corão e na Suna.
Hanafita e Shafita: A primeira e terceira escolas, são seguidas pelos
sunitas da Síria, do Iraque (onde são minoria), Turquia, Paquistão,
Indonésia e Egito. A escola hanafita é a mais antiga e, tal como a
shafita (a maior e mais importante durante o período dos Abássidas),
deu apoio aos alawitas.
Malikita: seguida pelos sunitas na Argélia, Marrocos, Sudão, Arábia
Saudita (minoria) e Emirados Árabes Unidos (também são minoria). É uma
das primeiras escolas e o seu fundador defendia o contrário dos
califas omíadas, que as leis tinham de ter referência ao Corão, a
importância da tradição oral e dos ensinamentos dos 4 califas
“corretamente guiados”.
A divisão criada nas origens do Islão com a questão da sucessão do
profeta permanece até aos dias de hoje. Os sunitas consideram que
Maomé não designou um sucessor de propósito, deixando para os
muçulmanos a escolha que considerassem mais apropriada, e justificam a
sua legitimidade com base nos juristas e na tradição que sustenta que
o califa deve ser escolhido por consenso da comunidade.
Os xiitas, ou seguidores de Ali, da disciplina e da liderança,
entendem que Maomé nomeou publicamente Ali e consideram que a
liderança não é uma questão que deva ser discutida, que só os
descendentes diretos do profeta podem ser os verdadeiros imãs, os
guias do Alcorão e da Suna, devido ao conhecimento secreto que lhes
foi dado por Deus.
Os dois ramos partilham a fé no Alcorão e nas palavras de Maomé, têm
orações semelhantes, apesar de divergirem nos seus rituais e na forma
como interpretam a lei islâmica, a Sharia.
Muito desta divisão vem de uma vitimização que faz parte da identidade
xiita devido à morte de Husayn e de uma longa história de
marginalização pela maioria sunita, que representa cerca de 85% dos
1,6 mil milhões de muçulmanos em todo o mundo. Os xiitas estão entre
os 10% e os 15%.
O ressurgir das tensões
Apesar da história sangrenta, sunitas e xiitas conviveram de forma
geralmente pacífica ao longo da história, embora não amigavelmente. O
conflito no Médio Oriente estava centrado em Israel, sendo então uma
guerra do mundo árabe contra a nação judaica e os poderes ocidentais,
especialmente os Estados Unidos.
Os conflitos eram esporádicos e aconteciam especialmente quando estava
em causa uma luta pelo poder. A revolução islâmica em 1979 veio mudar
tudo isto. O regresso do ayatollah Ruhollah Khomeini ao Irão para
implementar a sua visão de um governo islâmico – Khomeini defendia que
os clérigos tinham de estar no poder para cumprirem a sua função de
implementar o Islão como Deus pretendia, através do mandato dos imãs
xiitas – foi controverso até entre os xiitas. E teve forte oposição
dos sunitas, que defendem a separação entre a liderança política e a
religiosa.
Ruhollah Khomeini, pai da revolução islâmica, regressa ao Irão a 1 de
fevereiro de 1979. Estava exilado em França.
Ruhoullah Khomeini depôs o xá pouco depois e começou a sua experiência
islâmica, pregando a união entre os muçulmanos, ao mesmo tempo que
apoiava grupos com agendas xiitas no Líbano, Iraque, Afeganistão,
Bahrein e Paquistão. Os grupos sunitas, como o Hamas e a Irmandade
Muçulmana, não aceitaram a sua liderança, apesar de admirarem o seu
sucesso, e a Arábia Saudita, que tem uma minoria xiita de considerável
dimensão, acabou por acelerar a propagação do wahabismo, um movimento
da escola Hanbalita, de longe a mais fundamentalista entre as escolas
do sunismo.
O resultado ficou à vista. Muitos dos episódios de violência na região
desde 1979 têm mão iraniana e saudita, começando pela guerra entre o
Iraque e o Irão no início da década de 80, em que os sauditas apoiaram
o Iraque e militantes no Paquistão e Afeganistão na luta contra a
União Soviética. E que foi usada também para atacar movimentos
inspirados ou apoiados pelo Irão.
O impacto da guerra no Iraque e da Primavera Árabe
Após a revolução islâmica no Irão, grande parte da guerra pelo poder
no Médio Oriente aconteceu nas sombras, com apoio a movimentos pelo
Irão e pela Arábia Saudita. As ditaduras que governavam a maior parte
dos países do Médio Oriente acabavam por estabelecer uma certa forma
de equilíbrio – muitas vezes em forma de braço-de-ferro – entre as
duas visões do Islão.
A segunda guerra do Golfo veio desestabilizar este equilíbrio
precário. A invasão do Iraque em 2003 pela coligação liderada pelos
Estados Unidos e Reino Unido resultou na queda de Saddam Hussein, um
ditador sunita que governava com mão de ferro uma maioria xiita. Pela
primeira vez, a histórica Bagdad passava a ser governada por xiitas. O
caos que se seguiu fez com que os iraquianos se fechassem dentro da
sua comunidade para se defenderem, polarizando ainda mais um país em
guerra e deixando a maioria xiita no poder a lutar contra grupos
terroristas sunitas, como é o caso da Al-Qaeda, e o que seria mais
tarde o grupo que cresceu a partir da Al-Qaeda no Iraque, o Estado
Islâmico.
A Primavera Árabe deu o empurrão necessário para que o conflito no
Iraque passasse a um problema regional. Os conflitos que começaram
como políticos, específicos de cada país embora com semelhanças,
passaram rapidamente a uma questão religiosa. Clérigos sunitas pediam
aos seus seguidores para se juntarem à batalha contra os grupos xiitas
em defesa dos seus irmãos. Do outro lado, grupos xiitas, como o
libanês Hezbollah, prometiam guerra na Síria para lutarem contra os
“radicais sunitas”.
Síria, o centro do conflito
Depois de anos de batalhas mais ou menos abertas, a revolta na Síria
acabou por montar o palco para a mais aberta guerra por procuração
entre as duas maiores potências da região. Bashar al-Assad, um aliado
de longa data do Irão, e a sua liderança minoritária alauita (uma
seita dentro do xiismo que mistura doutrinas de outras religiões, como
o judaísmo e o cristianismo), está sob pressão para abandonar o poder
num confronto que degenerou em guerra civil, principalmente pelos
Estados Unidos, Europa e os seus aliados do golfo. Os sunitas são a
maioria no país.
O Irão e a Rússia juntaram-se para defender o regime e acusar os
rebeldes, grupos maioritariamente sunitas, de serem os responsáveis
pela violência na região. Do outro lado vem a pressão das monarquias
do Golfo, em especial da Arábia Saudita, que, juntamente com os EUA,
armavam os rebeldes. Aos grupos rebeldes que combatiam Assad
juntaram-se movimentos terroristas sunitas, como a Al-Qaeda, através
da sua afiliada Jabhat al-Nusra. E nas sombras cresceu uma ameaça a
ambos, o Estado Islâmico, também um grupo sunita e que prega a
violência sectária como forma de recrutar colaboradores e tem na sua
génese a construção de um califado que una o mundo árabe, gerido com
os preceitos ultraconservadores e práticas violentas que o
caracterizam.
Mesmo com um inimigo comum, o Estado Islâmico, estes dois blocos têm
em vista um objetivo de longo prazo mais precioso que acabar com este
movimento terrorista: o poder na região. Por isso mesmo, muito da
guerra contra o Estado Islâmico tem-se centrado na continuação ou
destituição de Assad. Entre os ataques ao grupo terrorista, russos e
iranianos estão a atacar também os opositores ao regime e a financiar
movimentos xiitas. Do outro lado, a Arábia Saudita e as monarquias do
Golfo respondem atacando as forças leais ao regime e fornecendo armas
aos rebeldes, com muito do armamento a acabar nas mãos da Al-Qaeda e
do Estado Islâmico, dois grupos que lutam entre si.
Guerras por procuração
A Síria é o maior e mais significativo exemplo da luta pelo domínio no
Médio Oriente, mas está longe de ser o único palco onde Irão e Arábia
Saudita estão envolvidos e, obviamente, em campos opostos. As tensões
têm aumentado à medida que os movimentos apoiados pelo Irão têm ganho
poder.
No Líbano, o Hezbollah – o movimento político e a milícia xiita – é de
longe o mais poderoso ator na muito fraturada política libanesa e tem
o apoio (embora não oficial) do Irão. No Bahrein, uma das monarquias
do Golfo, é uma família sunita que lidera o país, apesar de a maioria
da população ser xiita. No Iémen, militantes xiitas ligados ao Irão
tomaram o poder. Os rebeldes huthi expandiram o seu território a sul
da Arábia Saudita, deixando uma abertura para o Irão controlar rotas
estratégicas ao longo do mar vermelho.
A crescente influência do Irão na região não está a passar
despercebida aos sauditas e seus aliados. Para além da luta pelo poder
na Síria, os sauditas enviaram forças para combater a revolta no
Bahrein contra a monarquia sunita, e montaram uma coligação de dez
países – que inclui os Estados Unidos – para tentar reverter o golpe
de Estado dos huthi (há um ano).
A guerra no Iémen subiu de tom após a interceção pelos sauditas de um
carregamento de armas enviado pelo Irão para os rebeldes huthi, com o
Irão a enviar a sua própria marinha para o golfo de Áden, e esta
semana quando o Irão acusou os sauditas de danificarem a embaixada
iraniana na capital do Iémen num bombardeamento aéreo.
Alianças à la carte
Se é verdade que muitas das alianças têm na sua base critérios
sectários, também o é que nem sempre é assim, como demonstra o apoio a
certos grupos considerados terroristas como parte da estratégia destes
dois países para atrair seguidores e apoiantes. O Irão apoia o
Hezbollah no Líbano, mas também o Hamas, um grupo sunita na Palestina,
que não se juntou à união pedida por Khomeini aquando da revolução
islâmica.
O Irão é um dos mais ferozes inimigos de Israel e fornece armas,
dinheiro e mantimentos ao Hamas, que governa a Faixa de Gaza. Os
rockets e morteiros utilizados pelo Hamas para atacar Israel são, em
grande parte, fabricados no Irão.
A Arábia Saudita, segundo documentos revelados pelo Wikileaks, tem
sido uma grande fonte de financiamento dos talibã no Afeganistão e da
Al-Qaeda, grupo sunita com o qual os sauditas rejeitam ligações e o
qual combate e que tinha como líder o saudita Osama bin Laden, que
planeou os ataques de 11 de setembro de 2001 às Torres Gémeas, em Nova
Iorque.
Ambos os países, um pouco como é a história dos Estados Unidos na
região, têm usado as alianças consoante é oportuno para os seus
interesses na altura no conflito em causa, seja no Afeganistão, no
Iraque ou na Síria.
Até onde vai esta "Guerra Fria’?
Insegurança ou provocação, a verdade é que a execução do clérigo xiita
Nimr al-Nimr no início deste ano de 2016 só veio aumentar mais uma vez
as tensões na região. A monarquia saudita começou o ano executando o
maior número de pessoas em 35 anos. Entre eles estavam 43 acusadas de
apoiar a Al-Qaeda, e outros quatro xiitas, entre eles al-Nimr.
O clérigo estava preso desde julho de 2012, acusado de promover a
intervenção externa no reino, e foi condenado à morte em 2014. Mas a
sua execução estava suspensa desde então, com o Irão e os seus aliados
a ameaçarem várias vezes os sauditas das consequências de levarem a
cabo essa execução, entre eles o Hezbollah e movimentos xiitas no
Iraque.
Os sauditas executaram mesmo Nimr al-Nimr e a máquina iraniana começou
a funcionar, usando a seu favor a divisão sectária que existe no Islão
para recrutar a população xiita. O ayatollah prometeu vingança com mão
divina, o governo iraniano disse que a Arábia Saudita iria pagar caro
a execução, seguindo-se protestos pela população xiita em vários
países.
O interesse do Irão vai muito mais além do que a religião. A minoria
xiita na Arábia Saudita é a maioria na província oriental do reino,
onde estão as maiores reservas de petróleo, a maior refinaria e de
onde saem grande parte das exportações de petróleo, numa altura em que
os sauditas já sofrem as consequências da profunda queda nos preços do
petróleo.
A execução de Nimr al-Nimr acabou por ajudar o Irão, deixando a
república islâmica na posição de protetora das minorias xiitas que se
consideram oprimidas, seja isso verdade ou não, pelos sauditas ou por
outras petromonarquias por si apoiadas.
Depois da execução e das promessas de vingança, a embaixada da Arábia
Saudita no Irão foi atacada com bombas incendiárias, levando os
sauditas a cortarem relações diplomáticas com o Irão. Entre
provocações e acusações do Irão, cujo governo acusou os sauditas de
tentarem desviar as atenções dos seus problemas internos criando
problemas externos, os aliados sauditas – Bahrein, Kuwait e Sudão –
juntaram-se ao movimento e cortaram relações com o Irão. Os Emirados
Árabes Unidos mandaram regressar o enviado especial diplomático que
tinham no país.
Por sua vez, a Arábia Saudita proibiu viagens e negócios com o Irão. O
Irão baniu as importações sauditas. Seguiu-se a acusação iraniana do
bombardeamento que terá atingido a sua embaixada no Iémen e ferido
vários membros da equipa diplomática, em especial guardas.
Guerra? Ninguém quer arriscar, como o próprio ministro da Defesa
saudita confessou esta sexta-feira à revista britânica The Economist:
“Uma guerra entra a Arábia Saudita e o Irão seria o começo de uma
grande catástrofe na região, e teria graves consequências no resto do
mundo. Com certeza, não iremos permitir que tal aconteça”, disse.
Fonte: http://observador.pt/especiais/xiitas-sunitas-grande-divisao-do-islao-dura-ha-14-seculos/
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